Quando eu for bem velhinha, espero receber a graça de, num dia de
domingo, me sentar na poltrona da biblioteca e, bebendo um cálice de
vinho do Porto, dizer a minha neta:
- Querida, venha cá. Feche a porta com cuidado e sente-se aqui ao
meu lado. Tenho umas coisas pra te contar.
E assim, dizer apontando o indicador para o alto: - O nome disso
não é conselho, isso se chama colaboração!
Eu vivi, ensinei, aprendi, caí, levantei e cheguei a algumas
conclusões.
E agora, do alto dos meus 82 anos, com os ossos frágeis, a pele
mole e os cabelos brancos, minha alma é o que me resta de saudável
e forte. Por isso, vou colocar mais ou menos assim:
É preciso coragem para ser feliz. Seja valente. Siga sempre seu
coração. Para onde ele for, seu sangue, suas veias e seus olhos
também irão. E satisfaça seus desejos. Esse é seu direito e
obrigação.
Entenda que o tempo é um paciente professor que irá te fazer
crescer, mas escolha entre ser uma grande menina ou uma menina
grande, vai depender só de você.
Tenha poucos e bons amigos.
Tenha filhos.
Tenha um jardim.
Aproveite sua casa, mas vá a Fernando de Noronha, a Barcelona, a
Paris e à Austrália.
Cuide bem dos seus dentes. Experimente, mude, corte os cabelos.
Ame. Ame pra valer, mesmo que ele seja o carteiro.
Não corra o risco de envelhecer dizendo "ah, se eu tivesse
feito..." Tenha uma vida rica de vida. Viva romances de cinema,
contos de fada e casos de novela. Faça sexo, mas não sinta vergonha
de preferir fazer amor.
E tome conta sempre da sua reputação, ela é um bem inestimável.
Porque enfim, as pessoas comentam, reparam, e se você der chance
elas inventam também detalhes desnecessários.
Se for se casar, faça por amor. Não faça por segurança, carinho
ou status. A sabedoria convencional recomenda que você se case com
alguém parecido com você, mas isso pode ser um saco! Prefira a
recomendação da natureza, que com a justificativa de aperfeiçoar
os genes na reprodução, sugere que você procure alguém diferente
de você. Mas para ter sucesso nessa questão, acredite no olfato e
desconfie da visão. É o seu nariz quem diz a verdade quando o
assunto é paixão.
Faça do fogão, do pente, da caneta, do papel e do armário, seus
instrumentos de criação.
Leia. Pinte, desenhe, escreva. E por favor, dance, dance, dance
até o fim, se não for por você, faça-o por mim.
Compreenda seus pais. Eles te amam para além da sua imaginação,
sempre fizeram o melhor que puderam, e sempre farão.
Não cultive as mágoas - porque se tem uma coisa que eu aprendi
nessa vida é que um único pontinho preto num oceano branco deixa
tudo cinza.
Era só isso minha querida. Agora é a sua vez. Por favor, encha
mais uma vez minha taça e me conte: como vai você?
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